Quando tinha cerca de seis anos lembro-me de iniciar uma colecção de etiquetas. Guardava etiquetas de todos os géneros. Quadradas, redondas, coloridas, com e sem relevo, brilhantes ou não. O que me fascinava nestes objectos era o facto de identificarem determinado artigo. Nós somos assim, gostamos de colocar etiquetas nas coisas. Gostamos de saber o nome do outro, como se chama aquela música que não conseguimos parar de ouvir, por que nome dá aquela pessoa de quem memorizamos apenas o sorriso.
E gostamos de arrumar todas estas coisas em caixas. Precisamos de saber a localização exacta das chaves do carro, onde mora aquele grande amigo que não vemos há anos, em que lugar nos encontramos quando nos sentimos em casa. Comecei por guardar as minhas etiquetas em pequenas bolsas de plástico. Com o aumento da colecção necessitei de mais espaço e passei a guardá-las em caixas de sapatos antigas.
Depois avancei no tempo e quando dei conta já não coleccionava etiquetas. Mas tinha muitas outras coisas que guardava minuciosamente. As nossas casas funcionam como museus dos quais cuidadosamente fazemos a curadoria (de objectos, de pessoas, de memórias). Tinha uma colecção incrível de livros; alguns comprados e grande parte deles herdados de familiares. As pequenas bugigangas que ao longo dos anos me ofereciam também se acumulavam. Entretanto a família cresceu. Já não era só eu e as minhas colecções. Já existia um companheiro de vida, um cão e um gato. Já não eram só as minhas memórias. Duplicaram-se os objectos e também o amor. Agora tínhamos em casa bicicletas que utilizávamos nos passeios de sábado, uma colecção de máquinas fotográficas antigas e uma bela mesa de refeição que vinha substituir a minha pequena mesa de apoio.
Precisávamos de encontrar um equilíbrio na arrumação de todas estas memórias. Arrumar tudo no sítio devido, escolher o que era impreterível ficar e o que merecia uma nova casa. É nesta altura que surge a palavra “apego”. Tudo nos parecia importante. Cada objecto era uma história, uma experiência vivida pela qual tínhamos um grande apreço. Não conseguimos escolher. Pensámos primeiramente em alugar uma garagem mas pareceu-nos pouco seguro e húmida, e afinal de contas queríamos garantir que as nossas memórias estavam seguras e protegidas.
Foi então que percorremos Lisboa à procura de um armazém que pudesse ser uma extensão da nossa casa. Um sítio onde as nossas coisas pudessem ficar por tempo indeterminado e que garantisse a segurança das mesmas. Nesta pesquisa descobrimos o conceito de self-storage e não podíamos ter ficado mais entusiasmados com a ideia. Alugar um armazém onde poderíamos facilmente aceder às nossas coisas; um lugar seguro para aquilo que nos era tão querido. Visitámos diversos espaços mas ficávamos sempre com a ideia de que eram armazéns impessoais. Existia sempre a sensação de que as nossas memórias iriam ficar esquecidas em espaços frios e distantes, em lugares onde eu nem sequer colocaria um tapete.
Por fim conhecemos a Kuboo, um amor à primeira vista. Percebemos desde logo que ali os nossos objectos eram importantes e iriam ter o espaço merecido. A recepção calorosa por parte dos colaboradores fez-nos sentir que também eles faziam parte da nossa história e da nossa missão em arrumar. Actualmente o nosso Kuboo funciona como uma extensão da casa. Passamos serões a ir ao local que é agora a nossa arrecadação e a reviver os objectos. Alguns levamos para casa; outros reorganizamos dentro do Kuboo; outros simplesmente não decidimos ainda o seu respectivo lugar.
Às vezes perdemos completamente a noção do tempo e ficamos horas a vasculhar as memórias encaixotadas. Abre caixa, fecha caixa, agora levamos a bicicleta, amanhã trazemos o serviço de loiça da tua avó.
Voltamos a casa sempre mais preenchidos e com algumas caixas a menos. A nossa casa tem agora uma dinâmica mais fluída e harmoniosa. Não há nada que esteja a mais ou que não se encaixe na nossa rotina. Dito isto, sento-me no sofá, olho para a estante e reparo que falta o meu romance favorito;
Vou à Kuboo e volto já!